comidas, técnicas, jogos, brinquedos, livros. Essas coisas não existiam. Os animais, ao contrário,
desejam que nunca haja mudanças. As mudanças, imperceptíveis, acontecem à revelia do que eles
possam pensar. Animal não pensa, não precisa pensar. O pensamento é a busca do que não existe; a
gestação do que não existe, o não existente, de forma virtual, antes de existir de forma real. [...] Agora
o absurdo, o contraponto, o tema invertido: os homens precisam pensar e criar porque eles são
imperfeitos. Pensamento e criatividade nascem da imperfeição. Como os animais, os homens são
também melodias. Melodias interrompidas, melodias inacabadas, como A arte da fuga, de Bach – ele
morreu, antes de terminar – ou a sinfonia inacabada de Schubert. Deus (ou a evolução) compôs só um
pouquinho, muito pouco – escolheu os instrumentos da orquestra, tocou a introdução e, com um sorriso
matreiro na boca, disse para a melodia assim iniciada: ‘Termine-se! Se você não terminar, você vai
desaparecer!’ E essa é a história da humanidade: os homens, as culturas, tentando continuar a
composição inacabada.
ALVES, Rubem. Lições do velho professor Rubem Alves. Campinas, São Paulo:Papirus, 2013. p. 162-163.
re·ve·li·a
substantivo feminino
1. [Direito ] Recusa ou não comparência em juízo.
2. Acto de revel.
à revelia• Sem comparência da parte revel.
• [Figurado] Ao deus-dará.