domingo, 27 de maio de 2012

Spica

É difícil a vida na terceira idade, sobretudo nestes tempos. Não só vão perdendo amigos e conhecidos como também as relações com as novas gerações complicam-se.
            Minha avó sempre teve suas atividades na casa. Quando éramos crianças ela cozinhava, trabalhava no quintal e até fazia arranjos na casa que nem pedreiro. Sempre gostou de manter-se informada, assistia à TV, conversava com suas conterrâneas. Tinha baixa visão por isso que ficava bem pertinho da TV, escutando tudo e olhando o que ela puder. Mas seu mais fiel companheiro era seu radio Spica. Ela possuía o radio desde que morava na Rua Spikerman - acho que não era em honor ao fabricante do radio-, foi um presente de seu filho maior.
            Os anos são implacáveis e vão diminuindo as possibilidades dos velhos. Ela já não podia fazer tarefas manuais e depois já nem olhar a TV. Nos últimos anos o radio voltou-se indispensável para ela.
            Eu gostava de sua companhia e tentava compartilhar tempo com ela. Eu adorava escutar suas estórias de quando era criança na Europa, mas ela não sempre tinha vontade de trazer lembranças duma terra e tempos tão distantes. Portanto as conversas iam mais relacionadas com a atualidade, da crônica policial ao futebol, tudo interessava a ela.
            Seu radio Spica tinha se estragado havia tempo, pelo que tinha um radio mais moderno. Com tudo o velho radinho ficava em seu quarto, junto com os adornos, fotos e lembranças que ela atesourava.
            Depois que ela morreu eu fiquei como seu radinho. Cada vez que a vejo lembro-me da minha vovó. Algum dia terei que conserta-la e escutar as noticias nela para honrar sua memoria. Espero que seja antes que as emissoras deixem de transmitir pelo éter.


Nenhum comentário:

Postar um comentário